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O problema que era. O sucesso que foi.

'Quando fores capaz de ler isto, tenho a certeza que vamos rir os dois. Rir do problema que era e do sucesso que foi. Mas por agora choramos. Choro eu de ansiedade e medo e choras tu por me sentires assim.'

Começava assim a carta que escrevi ao meu filho, em Março do ano passado, no primeiro dia de creche. Foi também a primeira vez que me separei dele desde que nascera e consequentemente, a primeira vez que o entreguei aos cuidados de outra pessoa que não eu ou o pai. Sim. Isso mesmo. Até então nunca, mas nunca o deixara com alguém que não nós. Não houve necessidade e também não nos fazia sentido.

Posso afirmar, sem medo de qualquer tipo de julgamento, que foi um dos dias mais difíceis da minha vida e uma das fases mais complicada de ultrapassar. Eu não entendia e não conseguia aceitar que me fosse imposto deixar o meu filho aos seis meses de idade com estranhos. E para quê?! Para que eu pudesse retomar uma vida laboral que, ainda para mais, após o conhecer, deixou de me apaixonar. Não era justo e ia contra tudo aquilo que eu sentia.

E não valia a pena dizerem-me que 'era o percurso natural das coisas', que 'lhe ia fazer bem', que 'custava mais a mim do que a ele'. Mentira! O natural é o bebé junto da mãe e não me digam que não lhe custou nada, porque ele é meu filho e essas coisas sentem-se. No entanto, o tempo corria e por mais esforços que eu pudesse fazer não era possível ficar com ele em casa, portanto, a ida para a creche era inevitável.

Não correu logo bem, mas como já falei aqui também isto foi um processo. Uma adaptação dele e nossa, a pessoas que não conhecíamos e que passaram a fazer parte da nossa família. E portanto quem acompanhou todo este processo e sabe do meu desespero, às vezes acha um bocadinho estranho a forma como hoje em dia falo da creche. Porque falo bem. Porque não podia ser de outra maneira tendo em conta a relação que o Gui tem construído com aquela instituição e com aquelas pessoas. E à medida que ele cresce, é notório que gosta de lá estar e isso descansa me.

O meu medo inicial era que o facto de nos separarmos lhe roubasse o sorriso, o tornasse menos feliz ou inseguro. E portanto decidi que a hora do regresso a casa era sagrada e que todos os dias ele havia de perceber que ia para a escolinha de manhã, mas que ao fim do dia eu estaria, como sempre, ali para ele. Tendo em conta os meus horários, o levar e buscar à escola fica, na maioria das vezes, a cargo do pai, mas quando ele chega o abraço é obrigatório e é sempre ele a largar. Acho que criá-lo num ambiente de apego, que é o que faz sentido para nós, o tem feito perceber que é seguro estar longe de nós porque acabamos sempre por voltar.

Isto foi a nossa parte, que não teria sucesso se, quem dele cuida na escola não fizesse também um bom trabalho. E saber que ele mal chega corre para a salinha e só vem despedir-se do pai porque ele o volta a chamar é muito bom. Hoje ele conhece cada um dos coleguinhas pelo nome. Aponta para a foto de grupo que temos no frigorífico e chama por eles. Chama pela educadora e pela auxiliar. Sorri quando falamos nelas e delira se vamos com a melhor amiga ao parque.

Se era a realidade que eu queria? Não era. Gostava de, pelo menos ter ficado com ele até ao ano de idade. Continuo a  invejar (sem maldade) quem consegue enveredar por essa opção e alimento a esperança de que, se um dia voltar a ser mãe, possa fazer algo diferente. Mas decidi aceitar e ver em cada dia o lado bom do nosso caminho.

E é para quem, com eu queria, mas também não teve opção, que hoje escrevo. Porque sei o que custa e quanto tempo ainda vai custar. Mas também já sei que com o tempo ameniza e que, como escrevi no início, um dia vão rir, juntos, disto tudo. Muito antes de eles já serem capazes de ler.

Horas de colo em cada regresso da creche.




















 

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