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Fora do peito

Há mais de um ano que não sei o que é estar sozinha. Fosse onde fosse sabia que ele já lá estava. Um coração pequenino a bater compassado com o meu. Sossegado julgava eu, até se fazer sentir com o mais doce dos pontapés.

Se em nove meses nunca o larguei porque havia de o largar nos seis que passou cá fora. Foram intensos, arrebatadores, cansativos mas cheios de um amor que eu não conhecia e que quis viver sem folgas.

E agora custa tanto. E a culpa se calhar é minha. Devia tê lo deixado aprender a viver sem mim. Mas eu não conseguia viver sem ele. Será? Terei falhado redondamente em tão pouco tempo de vida?

Hoje volto a ficar sozinha. O papá já foi trabalhar e o G. continua a adaptação para a creche. E eu estou aqui, ainda tão inadaptada quanto ele.

Já não sei viver assim. Com tempo para gastar a fazer qualquer coisa quando a única coisa que me dá prazer fazer é, nestas horas feita por estranhos. E se é estranho que outras mãos lhe peguem, o vistam, o dispam, o alimentem, o embalem.

Enquanto eu fico assim, sozinha. Com saudades do tempo em que os nossos corações batiam dentro do mesmo corpo. Sendo agora tempo do meu bater fora do peito.

Comentários

  1. Não é de certeza. Acho que o defeito está na nossa sociedade que, apesar de não ser das piores, protege pouco esta relação tão importante mãe/filho principalmente no primeiro ano de vida. Já voltei ao trabalho e a angústia é a mesma. Passo os dias a contar o tempo apenas para regressar.

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  2. Não é de certeza. Acho que o defeito está na nossa sociedade que, apesar de não ser das piores, protege pouco esta relação tão importante mãe/filho principalmente no primeiro ano de vida. Já voltei ao trabalho e a angústia é a mesma. Passo os dias a contar o tempo apenas para regressar.

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